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Filosofia da Arte


O Renascimento x Idade Média / Renascimento X neoclassicismo / Renascimento x Maneirismo
  (O Nascimento de Vênus - têmpera sobre tela, 1,72 m x 2,78 m, 1483 - Sandro Botticelli- Galleria degli Uffizi, Florença)

A arte Renascentista tem como princípio a representação da natureza em sua mais fiel semelhança. Ou seja, "[...] pretendia que a obra de arte fosse a reprodução fiel da realidade." (PANOFSKY, p. 46). Portanto, a arte Renascentista tem por objetivo alcançar a maior semelhança possível com os objetos que estes representam, caracterizando, assim, sua beleza. Para isso, o artista devia se basear em um modelo, sendo que este modelo deveria ser procurado e ele próprio já possuir a beleza em si, para ser retratado pelo artista. Tal semelhança com o objeto só poderia ser alcançada com um estudo de suas formas, proporções, iluminação, para que a expressão artística alcance tal semelhança. Leonardo Da Vinci desenvolveu estudos de como as leis físicas, como a gravidade, agiam sobre o corpo para que suas obras pudessem de fato representar a maior identidade possível.
Em contrapartida a esta ideia representação fiel da natureza, há a ideia do triunfo da arte sobre a natureza, que, graças à imaginação, pode produzir obras inéditas que não são encontradas na natureza, pois sua "[...] sua liberdade criadora pode modificar as aparências ao se afastar das possibilidades e das variantes presentes na natureza, e inclusive produzir formas inteiramente inéditas [...]" (PANOFSKY, p. 47). Porém, a atividades artística "[...] consiste menos em 'inventar' do que escolher e aperfeiçoar [...]" (PANOFSKY, p. 47). Outra questão está na concepção de beleza dentro desta ideia, pois, graças também à inteligência do artista, este possui uma autonomia para aperfeiçoar a própria natureza, dando a ela, em sua obra, uma perfeição não contemplada pela realidade. Porém, a ideia de fidelidade à natureza é mantida, mas este não se limita apenas à representa-la fielmente e sim, também, a adicionar beleza à natureza através de sua obra.
Aqui podemos perceber o principal afastamento da arte da Idade Média para o Renascimento. Na Idade Média, o artista tratava-se apenas de um demiurgo que externava a beleza superior contemplada, sendo as obras de arte apenas reflexos dessa beleza superior presente em Deus. Como demiurgo, o artista não se refere a nenhum objeto empírico, mas transforma uma determinada matéria em algo belo, sendo que o belo está anteriormente na mente do artista, deixando de lado o caráter imitativo dos objetos empíricos.
É importante ressaltar que na Idade Média não havia a separação clara entre artista e artesão, como é perceptível no trecho de uma obra de Agostinho: "Que progressos infinitos os homens trouxeram às diferentes artes e aos diferentes ofícios, na fabricação de roupas, calçados, recipientes e utensílios [...]" (Apud Panofsky, p. 36). Assim, além das pinturas e imagens, todo objeto criado pelo trabalho humano torna-se representação de uma beleza. As obras de arte, como reflexo da beleza superior, proporcionam uma contemplação pequena do que é a verdadeira beleza, comtemplada apenas além destas. Pois, o artista transmite para a matéria sua interioridade que encontra na contemplação divida no belo. Para Agostinho, o artista, por dar forma a uma matéria apenas por meio de uma ideia presente apenas na sua interioridade, deixando de lado sua condição de criatura, recebe no seu interior o criador. Assim, a beleza de suas obras derivam diretamente da "Beleza situada além das almas" (Agostinho Apud PANOFSKY, p. 36).
Assim, o artista medieval, para criar suas obras, baseava-se em uma ideia presente em seu interior para dar forma a uma matéria, sem tomar a natureza e os objetos empíricos como referência. Percebemos a partir disto, portanto, a principal oposição entre a Idade Média e o Renascimento, tratando-se da questão entre sujeito-objeto, já que o Renascimento toma como base de sua arte a realidade e a natureza, saindo de um estado subjetivo da ideia na interioridade para uma representação objetiva do mundo exterior. Há também a diferença crucial da genialidade do artista, pois a ideia já existia anteriormente ao artista e ao próprio objeto, na Idade Média, enquanto no Renascimento a ideia depende da relação e do comportamento entre o sujeito e o objeto.
Já o Maneirismo rompe, de certo modo, com o Renascimento exatamente quanto à sua ideia da representação da beleza através das proporções de uma maneira matemática. Frederico Zuccari coloca o artista como um ser livre que não deve ser submisso às regras. A arte maneirista ainda tem por princípio unificar o quadro e colocá-lo como um todo, ou seja, os planos têm igual importância entre si, além de procurar uma delimitação da anatomia de maneira que fique clara, aproximando-se mais do classicismo do que até mesmo o Renascimento. “[...] essa arte aspira mesmo assim a unificar de forma estrita a totalidade do quadro; não se contenta em esboçar as figuras utilizando a mera cor, mas delimita-as rigorosamente e trabalha sua anatomia [...]” (PANOFSKY, p. 77).
Seguindo por este caminho, encontramos a ideia maneirista de superação da beleza natural, pois a obra de arte deve corrigir a natureza, procurando alcançar a mais alta beleza, assim, há uma desvalorização da própria natureza perante a obra de arte. Portanto, aqui o maneirismo aproxima-se da concepção medieval, pois para ele a forma da obra de arte já está no intelecto do artista.
Portanto, o maneirismo configura-se como uma corrente que ao mesmo tempo que se afasta do Renascimento, principalmente pela ideia da autonomia do pensamento do artista e da sua forma de representar na obra de arte, afasta-se também da arte medieval, por essa mesma autonomia do artista, pois a forma da obra de arte não está em representar uma beleza superior, mas sim no próprio intelecto do artista.
Já o Neoclassicismo está para o Maneirismo, como o Renascimento para com a Idade Média, pois, para ele, a arte estava em uma decadência, já que no maneirismo foram abandonados os estudos e observações naturais, para uma representação livre do artista. Ou seja, para o Neoclassicismo, a arte deveria voltar aos grandes mestres, porém, ela também se afasta do renascimento por fundamentar-se tão rigorosamente no estudo matemático.
O Neoclassicismo funda-se na observação da natureza, porém como início de um processo para que a ideia seja formada pelo artista. Assim, a ideia não está a priori na mente do artista, como no maneirismo, mas sim parte de uma observação da natureza, ou seja, “[...] a ideia não reside a priori no homem, mas deriva a posteriori da intuição da natureza.” (PANOFSKY, p. 103). Contudo, o neoclassicismo não se submete à uma imitação de um modelo natural, indo de encontro à concepção renascentista de beleza dita naturalista; assumindo, assim, uma postura natural, ou seja, toma a natureza como princípio da ideia, mas não se limita a representa-la rigorosamente como um modelo.
REFERENCIAS



BAUDELAIRE, Charles. Poesia e prosa. Nova Aguilar. Rio de Janeiro: 1995


MENDONÇA. Debora Barbam. Mudança de percepção no Quattrocento italiano representada por Sandro Botticelli. 3º Encontro de Pesquisa, UNESP. Vol. 1, nº 1, 2008

PANOFSKY, E. Renascimento e renascimentos na arte ocidental. Lisboa: Editorial Presença, 1981.
 _______. O Renascimento. In: PANOFSKY, E. Idea: A evolução do conceito de belo. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
__________. Iconografia e Iconologia: uma Introdução ao Estudo do Renascimento. In: ______. Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 1991, p. 87.



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